segunda-feira, 22 de junho de 2009

Vozes delicadas dão passagem ao novo samba

Gente, esse texto eu fiz pra facul, de última hora, aproveitando uma entrevista que eu já tinha...
Desculpem, não foi dos melhores que já produzi, mas como fala da nossa cantora e contextualiza bem pouco sobre o samba, resolvi postar aqui! É meio grande, espero que tenham paciência...



Sempre fui fascinada pela história da música brasileira. Às vezes ouço rádios de samba de raiz. O ritmo contagia, alegra e desarma a alma. Não pelo compasso que marca as batidas do coração, mas por toda sua trajetória até os dias atuais. Percebo uma nova roupagem nesse universo tradicional. Seria uma simples mudança? Um avanço? Uma nova voz? O que antes era dominado por homens, agora encontra o desenvolvimento com autoras e intérpretes.

Machista, preconceituoso, intolerante. As pioneiras do samba apenas reproduziam o pensamento ressonante da época, não emitiam opinião própria... A sociedade tolhia a criatividade das mulheres – para se ter uma noção, ainda nem podiam votar! – por isso, as que se arriscavam no gênero, enfrentavam diversos problemas familiares, além de encarar a difamação pública.

Hilária Batista de Almeida é a personagem mais importante do começo (que fique claro: do começo do samba, não da inserção feminina no estilo). Baiana, pertencente ao Candomblé – religião proibida da época –, teve que se mudar para o Rio de Janeiro devido às perseguições religiosas. Tão logo chegou à cidade maravilhosa, casou-se e teve uma filha, mas esse relacionamento amoroso não durara. Foi então que conhecera João Baptista da Silva, um negro importante da época, com quem tivera mais catorze filhos.

Quituteira de ofício, não foi a primeira mulher a ser intérprete. Ela fez mais! Para quem não conhece, essa é a Tia Ciata, uma Mãe de Santo que cedia sua casa para as reuniões de sambistas. Foi lá que Donga e Mauro de Almeida se inspiraram para compor “Pelo Telefone”, primeiro samba gravado em disco. Ela recebia os sambistas, todos homens, em seu quintal, servia acarajés e manjares, participava das rodas...

A partir das reuniões, muitos compositores começaram a surgir, o ritmo passou a ser conhecido como um gênero da música brasileira e deixou de ser considerado marchinha de carnaval. Pixinguinha, Sinhô, Heitor dos Prazeres, a década de 1920 borbulhava de talento! Ismael Silva, Cartola, Noel Rosa, Ataulfo Alves... Um samba famoso de Ataulfo? “Ai, que saudades da Amélia”. Aquele mesmo, da canção quase nada machista: “Ai, meu Deus, que saudade da Amélia/ Aquilo sim é que era mulher/ Às vezes passava fome ao meu lado/ E achava bonito não ter o que comer...”

E as mulheres, não viviam? Em 1934, estavam começando a galgar seus direitos. Conquistaram o voto, mas o samba ainda não. O gênero estava cada vez mais no gosto popular! Só por volta dos anos 50 Maysa, Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira e Dolores Duran começam a interpretar samba-canção. Nos idos de 1960, a Joyce também se consagra neste cenário, mas elas ainda não demonstram a força do sexo frágil. Apesar de serem perfeitas como cantoras, apenas reproduziam os pensamentos machistas presentes nas canções.

Tantos anos se passaram e as mulheres ainda não tinham voz, embora marcassem presença! Se elas já contribuíam para o crescimento, na década de 70, dois nomes começam a mudar a jeito sisudo do gênero: Clara Nunes e Beth Carvalho. Além do repertório ser inteiramente com canções de samba – sem misturar com outros gêneros musicais –, as composições femininas começavam a ganhar destaque. (Vale lembrar que a Clara Nunes era considerada a “deusa dos Orixás” e a Beth Carvalho a “madrinha do samba”).

Elas abriram as portas, de vez, para diversas cantoras mergulharem de cabeça. Como nessa época já existia a MPB – Música Popular Brasileira –, muitas cantoras incluíam sambas no repertório, como fizeram Nara Leão, Elis Regina, Maria Bethânia, entre outras. Como elas cantavam samba esporadicamente, não são sambistas, são cantoras que dedicam algum espaço do trabalho ao gênero.

Tardiamente, foram revelados talentos de algumas compositoras, que devido ao preconceito, tinham suas vozes sufocadas. Dona Ivone Lara é uma delas! Compositora de músicas importantes, como “Sonho Meu”, despontou apenas nos anos de 1980, já sexagenária e aposentada. Aconteceu semelhante com Gisa Nogueira e Jovelina Pérola Negra. O sexo feminino ganha mais força com Alcione e, logo depois, quando Leci Brandão foi apontada por Dona Ivone Lara como sua sucessora.

O sangue feminino não para de inovar o estilo tradicional. Alguns nomes conhecidos para quem está no meio são: Mart’náilia, Teresa Cristina, Fabiana Cozza, Adriana Moreira, Mariene de Castro, Juliana Amaral, Mônica Feijó, Juliana Diniz, Rita Ribeiro, Jussara Silveira, o grupo Samba de rainha – composto somente por mulheres. Cantoras de MPB se renderam aos encantos do ritmo e também engrossam o coro, como Marisa Monte, Zélia Duncan, Maria Rita, Roberta Sá.

Para a cantora Adriana Moreira, Clara Nunes e Beth Carvalho abriram as portas para essa nova geração poder mostrar o trabalho. Ela acredita que, depois delas, o samba evoluiu muito. Continua sendo a maior manifestação popular brasileira que existe, mas sem dissonância. Adriana pontua que homens e mulheres agora falam a mesma língua e, atualmente, somos maioria. Dos anos 90 para cá, as mulheres foram as que mais despontaram no cenário do samba. A nova dificuldade que ela apresenta é entrar nas rádios. Como ela acredita que o samba de raiz não seja um estilo tão comercial, acaba não tocando em rádios comuns, apenas em emissoras educativas, como acontece com a Rádio USP.

O que as meninas fazem de novidade? Compõem o cotidiano da mulher, interpretam a luta, dão voz a uma parcela da sociedade que foi, por muito tempo, menosprezada... Não a voz doce e fina, meramente interpretativa! São elas que trazem um gás novo, fazem com que o samba seja, de fato, um reflexo da sociedade, estão reinventando a expressão mais puramente brasileira, além de darem o verdadeiro sentido ao pedido de Alcione, que Maria Rita deu nova roupagem e atendeu ao apelo: “não deixe o samba morrer/ não deixe o samba acabar”...


*Juliana Pink, a tia Gugu!